05 dezembro 2008

LIVRO CUJA LEITURA NÃO PODEM DISPENSAR

Fiquem lá com esta parte sobre o que o autor denomina "Estado-arrependimento" (ps. 104-105).
Quando o Estado se transforma em grão-mestre dos ritos expiatórios - os reis gozavam do privilégio de perdoar, enquanto os presidentes modernos têm o de apresentar desculpas - e quando o monstro insensível se torna compassivo, ele usurpa às autoridades morais a sua função espiritual e às autoridades universitárias as suas competências científicas. Ele entende que se trata de uma reconciliação; de exumar um passado duvidoso para lhe barrar o caminho. Muitas vezes consegue atingir esse objectivo até demasiado bem, ao ponto de lhe adulterar o sentido. O arrependimento é (em todos os sentidos) contemporâneo à última idade do estado, a do seu desmoronamento: finge então meter-se em tudo, escreve a história em vez dos historiadores e pretende garantias de uma verdade intangível. Qual justiceiro retrospectivo, ocupa-se a saldar as contas dos tempos antigos para inscrevê-las no caderno de encargos da consciência nacional. Este arrependimento difuso surge em lugar e em nome de uma acção real e conflui numa confusão de ordens; num pânico legislativo. A azáfama memorial não é um síndroma totalitário, é antes o de uma agitação confusa, de uma recusa em governar.(...)
Quanto mais ele se fustiga, mais ele excita a avidez de grupos de pressão, desmesuradamente contentes por fazerem valer censuras e que tentam alcançar feudos e baronias, apoiando-se no Parlamento, se for necessário. Escancara-se o cofre das lamentações. (...) Uma loucura de mortificação apodera-se então das altas esferas: já não prescrevem senão um calendário, o do luto. Todos os meses e todas as semanas, eles deveriam sangrar ao recordar as nossas perversidades. (...) Não existe categoria social, profissional ou regional, que não consiga alegar a eleição de um dano ou de uma mortandade longínqua, que se possa inscrever imediatamente no registo das comemorações. Ao empenhar-se neste ritual terapêutico, julga-se que estaríamos a prevenir rancores e vinganças, mas é o inverso: desperta-se o furor daqueles que não foram citados, suscita-se uma epidemia de reclamações: e eu? e eu? Mas o Estado não é uma Igreja, ele tem de responder pelo presente e pelo futuro, não tem de passar o tempo a confessar-se arrependido!

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2 Comments:

Blogger Nuno Castelo-Branco said...

Tudo bem, HN, mas às vezes irrita-me esta mania que certos brancos têm, de marchar para fora dos seus domínios e obrigar os outros a organizarem-se como nós. Agora parece que chegou a vez da Tailândia...
Vimos o que por cá aconteceu, quando os "aliados" USA decidiram "democratizar" Portugal.

sábado, 06 dezembro, 2008  
Blogger Humberto Nuno de Oliveira said...

Caro Nuno, eu cada vez mais só anseio a poder "marchar" como aprendemos e de acordo com os nossos costumes, o que, cada vez mais, vai sendo mais difícil, para não dizer impossível.
Quanto ao "resto" tens toda a razão...
Um abraço

sábado, 06 dezembro, 2008  

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