04 novembro 2014

SOBRE O GRANDE-COLAR DE DURÃO BARROSO


A condecoração ontem do Dr. Durão Barroso pelo Presidente da República com o Grande-Colar da Ordem do Infante Dom Henrique vem levantando as mais variadas observações, na maior parte das vezes por quem nada percebe do assunto.

Trata-se inquestionavelmente de uma situação excecional, uma vez que o ex-presidente da Comissão Europeia integra agora o lote de apenas três cidadãos nacionais condecorados com tal grau dessa Ordem Nacional.

São, de facto três, e não dois como muitos escreveram, eventualmente após consulta da Base de dados da Chancelaria da Presidência da República, que não obstante dotada de força de lei [alínea d) do número 65 da art.º da Lei n.º 5/2011 de 02.03.2011] apresenta inúmeras falhas, dela constando apenas o Professor Salazar. De igual modo numa pesquisa aleatória relativa a Chefes de Estado estrangeiros condecorados recentemente, e no relativo ao presente ano, se verifica que dela conta o Presidente de Moçambique, Armando Guebuza, condecorado em Julho, mas não o Presidente do México, Enrique Peña Nieto, condecorado em Junho, um mês antes. Este é apenas um sector que a incúria dos poderes vem deixando desleixar para manifesto prejuízo do importante e referencial papel que uma Chancelaria deveria desempenhar, parecendo reinar algum desnorte e desconhecimento (ou desinteresse?). As constantes mudanças políticas deste regime, para gáudio de alguns arregimentados, levam à colocação, em lugares fulcrais e que deveriam ser garantidos por técnicos com conhecimento e estudos na área, de pessoas que apenas cumprem lugar sem apetência para áreas que são, necessariamente, específicas e exigentes.

A Ordem do Infante Dom Henrique foi criada em 1960 (Decreto 43001, de 02.06.1960) de Junho, com o intuito de homenagear o Infante e para galardoar “actividades ou estudos histórico-marítimos ou ao conhecimento e divulgação da expansão de Portugal no Mundo”.

Em 1962 foi integrada no conjunto das Ordens Honoríficas Portuguesas pela “Lei Orgânica das Ordens Honoríficas Portuguesas” (Decreto Lei 44721 de 24.11.1962) alterando então os seus propósitos iniciais. O seu Art. 8.º estipulava que “A Ordem do Infante D. Henrique visa distinguir os que houverem prestado:

a) Serviços relevantes a Portugal no País e no estrangeiro;

b) Serviços na expansão da cultura portuguesa ou para conhecimento de Portugal, sua história e seus valores.” E no Art. 15.º “(…) na Ordem Nacional do Infante D. Henrique haverá, além dos graus enumerados no artigo anterior, o grande-colar, sendo o referente a estas duas últimas exclusivamente destinado a agraciar Chefes de Estado”.

Destinada, como se vê a Chefes de Estado estrangeiros foi ao abrigo de uma excepção o Decreto-Lei n.º 48604 (de 04.10.1968, “Diário do Governo”, 235) que o Presidente do Conselho, Professor António de Oliveira Salazar, com ele foi condecorado “(…) A Ordem foi criada por iniciativa do Presidente do Conselho Doutor António de Oliveira Salazar, a fim de distinguir os que houvessem prestado serviços relevantes a Portugal no País (…). Ninguém como o próprio fundador correspondeu, nos nossos dias, aos objectivos da criação da Ordem. Durante toda a sua vida o Doutor Oliveira Salazar, como mestre universitário, escritor, Ministro das Finanças, dos Negócios Estrangeiros e da Defesa Nacional e Chefe do Governo, prestou os mais relevantes serviços ao País em todos os domínios e em todas as ocasiões em que a sua privilegiada inteligência foi chamada a servi-lo.

As leis prevêem casos normais e a figura e a obra do Doutor António de Oliveira Salazar são de excepção.

Justifica-se, por isso, que, para distingui-lo, se derrogue o princípio, equiparando aos chefes de Estado aquele que durante 40 anos conduziu o povo português”.

O segundo português com ele condecorado foi o General Vasco da Rocha Vieira em 2001 (estando em vigor o Decreto-Lei 414-A/86 de 15.12.1986). Na altura a legislação em vigor igualmente estipulava que o grande colar da Ordem continuava a ser “exclusivamente destinado a agraciar chefes de Estado (…)” (art.º 14), mantendo-se, no essencial, as razões de atribuição, “a) Serviços relevantes a Portugal, no País e no estrangeiro; b) Serviços na expansão da cultura portuguesa ou para conhecimento de Portugal, sua história e seus valores” (art.º 7.º).

Foi, assim, necessário um diploma (Decreto-Lei 227/2001, de 20.08.2001) para sancionar tal excepção, “(…) o grande-colar da Ordem Nacional do Infante D. Henrique é exclusivamente destinado a agraciar chefes de Estado.

No entanto, a grande dignidade com que decorreu o termo da administração portuguesa do território de Macau, e a sua transferência para a República Popular da China, asseguradas pelo último Governador de Macau, constituíram tarefas ímpares e uma realização extraordinária, permitindo manter os laços de Portugal ao Oriente e estreitar as relações com a República Popular da China, o que merece ser assinalado e reconhecido, justificando que, excepcionalmente, seja concedido ao general Rocha Vieira, o grande-colar da Ordem Nacional do Infante D. Henrique”.

No caso do General Rocha Vieira esta excepção poderia – e deveria - ter sido evitada pois a sua actuação caberia plenamente no artigo 3º do mesmo Decreto-Lei 414-A/86 (então em vigor), “A Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito destina-se a galardoar: a) Méritos excepcionalmente relevantes demonstrados no exercício das funções dos cargos supremos que exprimem a actividade dos órgãos de soberania (…)”, Ordem com a qual o General deveria ter sido condecorado. Faltou a coragem para tal e recorreu-se, uma vez mais à excepção (recorde-se que este caso é substancialmente diferente do caso do Professor Salazar que, desde a década de 30 era já condecorado com a Grã-Cruz da Ordem da Torre e Espada).

Pela Lei das Ordens Honoríficas Portuguesas actualmente em vigor (Lei n.º 5/2011), a Ordem do Infante Dom Henrique, continua a manter idênticas finalidades, “a) Serviços relevantes a Portugal, no País e no estrangeiro; b) Serviços na expansão da cultura portuguesa ou para conhecimento de Portugal, da sua História e dos seus valores” (art.º 25), o número 3 do artigo 46.º continua a estipular que “(…) o grau de Grande-Colar destina-se a agraciar Chefes de Estado”, embora o número 4 especifique que “O Grande-Colar pode ainda ser concedido, por decreto do Presidente da República, a antigos Chefes de Estado e a pessoas cujos feitos, de natureza extraordinária e especial relevância para Portugal, os tornem merecedores dessa distinção”.

A terceira, e até agora última excepção, a do ontem condecorado, deve-se, de acordo com nota da Presidência, ao facto de se tratar “do mais alto cargo internacional alguma vez assumido por um português e, pelos serviços de extraordinária relevância prestados a Portugal e à União Europeia”.

Sobre a apreciação dos méritos relativos às três excepções descritas e seus merecimentos deixaremos a sua apreciação à decisão ao leitor.

(Um texto que hoje publiquei na página 11 d' "O Diabo")

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